O pós-pandemia trouxe novos modos de ser e estar no mundo. Intensificou o desenvolvimento exponencial do virtual sobre nossas vidas, engrossando o caldo da BigTech, aumentando as horas em redes sociais, misturando como nunca o pessoal e o profissional nos apps e prejudicando a vida presencial. No Brasil e em outras periferias do mundo, as consequências na vida da maioria do povo foram catastróficas: além das perdas de amigos e familiares para o Covid-19 e da desigualdade no acesso à imunização, vale destacar que tivemos a volta da miséria com a perda de milhares de empregos, o encarecimento do preço dos alimentos, o ENEM mais branco e elitista desde 2009, além do enfraquecimento das políticas públicas de promoção de cultura, de igualdade racial e de gênero, de defesa de nossas florestas e de direitos trabalhistas. Dos Yanomami no Norte do país às favelas do Sudeste, vemos que o Estado e o mercado recriaram suas formas de opressão, aperfeiçoando suas tecnologias de controle. Este é o tempo presente.
Sabemos, contudo, que os Condenados da Terra não sucumbem. Tecnologias ancestrais de luta, sobrevivência e sonho são criadas e recriadas a cada momento histórico, garantindo muitas vezes saúde, educação, cultura e, acima de tudo, pertencimento e direito futuro, diante de um sistema que só tem crise para oferecer.
Na escassez, o direito ao lúdico, à imaginação de outras realidades, é uma possibilidade de cura. A arte surge como caminho para a sobrevivência, muitas vezes romantizada por quem olha de fora, como urubus. Diante de um mundo com oportunidades desiguais, quem tem o direito ao olhar? O lugar da arte para aqueles que vivem é o mesmo para aqueles que sobrevivem? Pode um negro ser apenas um artista ou ele precisa ser sempre um “artista negro”? Pode um indígena fazer uma arte não necessariamente “política”?
Os quilombos, aldeias, terreiros, escolas de samba, bailes, slams e outras comunidades, com suas determinadas contradições, são vetores de saber — ainda que esses saberes não estejam organizados dentro da norma formal escrita. São saberes orais, visuais, musicais, comportamentais e tantos outros. A lógica ocidental, que coloca razão e emoção como oposto, bem como mente e corpo como separados, vai no caminho de invalidar esses saberes para extingui-los. Afinal, acabar com as manifestações de um povo é concretamente eliminar essas pessoas. Por isso, os terreiros e aldeias existem até hoje. Por isso, Èsú vence na cidade em que a fé religiosamente racista mais cresce. Por isso, disse Ailton Krenak uma vez que “nenhuma história antiga nossa — nenhuma — admite que a gente vai acabar”.
Se nem todo conhecimento é escrito, se corpo não se separa de mente, se a emoção não é inferior à razão, temos a pergunta: qual é o orí do futuro? Qual a consciência e orientação estamos buscando? Qual o lugar do sentir diante do saber? O que acumulamos aqui, como produto da ciência popular, dos caminhos de nosso povo? Quais são as tecnologias ancestrais que reivindicamos para destruir esse sistema e reerguer outro das ruínas? Temos muitas histórias para contar, do ontem e do hoje. Acúmulos que muitas vezes não cabem nas caixinhas das disciplinas, mas entendemos que essas disciplinas podem ser misturadas e tensionadas para fornecer ferramentas importantes. Esta chamada é uma provocação à imaginação de um futuro de liberdade, onde o saber e o sentir caminham de mãos dadas. É tempo de retomar para projetar o amanhã. ✦
Somos uma revista de circulação de saberes, digital e multimídia, de publicação anual, que saúda a ancestralidade. Somos a revista encontro orí. Procuramos reunir e projetar saberes publicáveis, seja na forma de produções artístico-literárias, seja nos formatos acadêmicos. A fim de contribuir para que jovens autores, autoras e artistas tenham direito à curiosidade e ao exercício do conhecimento, transgredir é o nosso Sul. No caos do aqui e agora, encontrar o que nos move!
O encontro orí surgiu em 2019, a partir de um encontro sobre História da África e das Relações Étnico-raciais organizado e protagonizado por estudantes de graduação do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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